Desde o início do século XX, com a industrialização, o foco do Marketing nas empresas tem passado por transformações. Quando os produtos passaram a não ser mais escassos e a concorrência aumentou, as empresas foram obrigadas a criar formas de se diferenciar na mente dos consumidores para conquistar mercados e garantir sua sobrevivência. Na primeira fase dessa busca pela diferenciação, que surgiu logo após a revolução industrial, o foco das empresas era na criação dos melhores produtos. Assim, os produtos com maior qualidade se sobressaiam e isso era suficiente para garantir maiores lucros.
Com o avanço geral dos métodos de produção, as empresas passaram a ser capazes de criar produtos extremamente parecidos, com alta qualidade, e ter um bom produto deixou de ser um diferencial. Além disso, a popularização dos meios de comunicação tornou os consumidores mais bem informados e, assim, com não bastava para eles ser o melhor produto, mas aquele que se adaptasse melhor às suas necessidades e desejos. Assim, as empresas passaram a buscar a diferenciação por meio da criação de produtos e serviços específicos para públicos-alvo distintos. Passou a haver um consenso de que um mesmo produto não era adequado para todo tipo de consumidor. Desta forma, para se diferenciar dos concorrentes, passou-se a criar produtos para nichos específicos e assim aumentar o valor agregado do que era vendido. Uma ação comum das indústrias foi a de criar produtos básicos e permitir a adição de acessórios para que ficassem personalizados de acordo com o desejo do cliente. Por exemplo, marcas de automóveis tinham seus modelos de carros básicos e, de acordo com o gosto do cliente, faziam as customizações para que se adequassem ao que o comprador buscava. Em outras palavras, o foco do Marketing passou a ser no cliente ao invés de ser no produto.
Ter um nicho também deixou de ser suficiente
Com o passar do tempo, mudanças na sociedade fizeram que acontecesse mais uma mudança no Marketing, chegando ao estágio que estamos vivendo hoje. Os consumidores passaram a valorizar não apenas o que as empresas vendem a eles, mas o que as empresas oferecem em troca para a sociedade. As novas gerações de consumidores estão mais preocupadas com o fato de os recursos dos planetas serem escassos e, também, com uma sociedade mais justa e igualitária. De fato, uma pesquisa da Enso Agency feita em 2017 mostrou que 68% dos millenials afirmam que “têm vontade de mudar o mundo” e que confiam em marcas que querem mudar o mundo junto com eles. As marcas, de olho nessa mudança de comportamento e com a consciência de que uma sociedade desenvolvida faz e economia se movimentar ainda mais, estão passando a buscar sua diferenciação não apenas por meio da criação dos melhores produtos ou dos produtos mais adequados para seus segmentos de clientes, mas também por meio dos seus valores perante a sociedade.
É importante ressaltar que não basta a marca falar quais valores ela defende. Com os clientes cada vez mais informados e capazes de compartilhar informações (afinal, a grande maioria da população está em uma rede social), as marcas precisam realizar ações práticas para demonstrar esses valores. Ou seja, fazer apenas um storytelling e divulgar seus valores e manifesto por meio de vídeos institucionais não basta. É preciso ir para o storydoing, ou seja, fazer algo concreto para a sociedade. Na hora de comunicar essas ações, é preciso tomar um certo cuidado. Se a marca utiliza as ações sociais em propagandas, parte dos consumidores podem ver essas ações como oportunistas e acabarem criando uma imagem negativa da marca por causa disso. Assim, uma boa forma que as marcas têm feito para demonstrar seus valores por meio de ações sociais é realizando essas ações e permitindo que a mídia tradicional as divulgue. Em geral, essas informações acabam indo para as redes sociais e viralizando entre o público em geral sem a necessidade de as empresas fazerem propagandas de suas boas ações.
O que as marcas têm feito no Brasil
A crise econômica e social causada pela COVID-19 foi um gatilho para que diversas empresas mostrassem o que podem oferecer à sociedade. No Brasil, uma das marcas que mais tem demonstrado seus valores conectados com a sociedade é a Ambev. Indo ao encontro de que 75% das pessoas querem ver mais as marcas ajudando as comunidades durante a pandemia da Covid-19 (segundo pesquisa da Kantar Brasil), a Ambev tem feito diversas ações durante essa crise para auxiliar tanto seus parceiros quanto a comunidade em geral. Algumas de suas fábricas foram adaptadas para produzir insumos e equipamentos para diminuir o impacto da crise sanitária. Por exemplo, o etanol de suas cervejarias foi usado para a produção de álcool em gel, sendo produzidas e entregues para hospitais públicos 1,2 milhão de unidades em embalagens de 237ml. O PET, material usado para produzir garrafas, foi utilizado para produzir 3 milhões de máscaras do tipo face shield, as quais foram doadas para o Ministério da Saúde (além da produção das máscaras, a Ambev tornou público o projeto delas para que outras indústrias também pudessem fabricar as máscaras). Impressoras 3D de uma das fábricas passaram a ser utilizadas para criar equipamentos médicos para auxiliar na intubação de pacientes vítimas da COVID-19.
Fora das fábricas e ainda em relação à COVID-19, a Ambev tem realizado ações para apoiar seus parceiros, desde hoteis até vendedores ambulantes. Para ajudar os hoteis, a Ambev criou o projeto Redescubra o Paraíso, por meio de sua marca Corona. O cliente que reservar um hotel por meio desse projeto vai ter a primeira diária paga pela Ambev: são 5 mil diárias pagas, que ajudarão 200 hotéis. Com a marca Stella Artois, foi criado o projeto #ApoieUmRestaurante, uma plataforma em que o cliente paga apenas R$50 por um voucher de R$100 para gastar em um restaurante parceiro do projeto. Esses 50% de desconto eram pagos, em parte, pela Ambev e Nestlé, e o restaurante recebia o dinheiro do voucher no dia seguinte à compra. Finalmente, a Ambev criou um projeto no carnaval para ajudar os vendedores ambulantes. Como o carnaval é a época que essas pessoas mais faturam e, devido às regras de distanciamento social, não houve festas de Carnaval em 2021 no Brasil, a Ambev doou R$150 para cada ambulante que se cadastrou na sua plataforma e, ainda, ofereceu códigos para que eles distribuíssem a possíveis clientes. A cada compra feita com um código, o ambulante ganhava mais R$5.
Outras marcas também mostraram seus valores por meio de ações durante a COVID-19. A Natura, marca de cosméticos com ampla rede de consultoras de venda direta, mudou algumas de suas políticas para não prejudicar suas vendedoras. Por exemplo, ofereceu 30 dias de prazo para essas vendedoras pagarem seus boletos atrasados e permitiu o parcelamento das compras sem juros. Além disso, a Natura reforçou seus programas de reciclagem, dando atenção especial aos catadores: foram doados mais de 50 mil itens de higiene e limpeza e disponibilizado apoio financeiro a catadores de materiais recicláveis parceiros da marca.
No ano de 2021 a Coca-Cola no Brasil criou o programa Crescendo Juntos Microempreendedor (http://www.crescendojuntosme.com.br). O foco desse programa é ajudar microempreendedores (como donos de pequenos bares, restaurantes e carrinhos de cachorro-quente) a desenvolver seus negócios. Em parceria com distribuidores, a Coca-Cola passou a dar pontos para o empreendedor a cada compra de produtos da companhia. Esses pontos poderiam ser trocados por itens para o negócio da pessoa, como cadeiras, mesas e geladeiras. O Crescendo Juntos ainda tem uma plataforma que oferece cursos de capacitação, soluções para abrir lojas online e microcrédito para os donos de pequenos negócios.
Também pensando em diminuir os impactos negativos da COVID-19, a Magazine Luiza, uma das maiores varejistas brasileiras, lançou o programa “Unidos pela Vacina”, que tem como objetivo facilitar a vacinação dos brasileiros. Esse programa visa apoiar o governo tanto com soluções de logística quanto para a compra de insumos, com seringas e agulhas. Como resultado, além da óbvia contribuição à sociedade, essas empresas passam a ser vistas de forma mais positiva pelas pessoas, o que aumenta seu valor de marca e, consequentemente, seus lucros.
As pessoas veem nas empresas uma amplificação de suas vozes. Uma pesquisa feita pela Edelman em 2018 mostrou que duas em cada três pessoas comprariam pela primeira vez de uma marca exclusivamente porque concordam com ele em um assunto controverso. Desta forma, a empresa seria como um caminho para que o cliente possa mostrar o seu posicionamento para o mundo: talvez o cliente, sozinho, não seria ouvido, mas ao comprar de uma empresa que é conhecida e defende os mesmos valores que ele, esse cliente se sente representado na sociedade. Ainda, a mesma pesquisa feita pela Edelman mostrou que metade dos respondentes acredita que o posicionamento da marca é tão importante no momento da compra quanto a qualidade do produto. Isso demonstra que as pessoas não se importam apenas com um bom produto, mas que preferem gastar seu dinheiro com as empresas que lhes darão algo em troca. A crise causada pela COVID-19 mostrou que as pessoas não valorizam as empresas focadas somente no lucro e aquelas que não devolverem algo à sociedade, de forma prática, tendem a desaparecer do mercado.